Acreditar ou não num projecto europeu?

Acreditar ou não num projecto europeu?
Uma Europa que não quer saber dos europeus

A história da Europa, como a história da humanidade, está plena de conflitos armados com origem numa miríade de divergências económicas, políticas, religiosas, culturais e outras.
Com a evolução da história cada vez mais se foi tendo a percepção da enorme tragédia humana das guerras que num crescendo de violência foram fazendo, desfazendo e refazendo o mapa político e social da Europa.
A primeira metade do século XX mostrou os horrores de dois conflitos à escala global causadores de milhões de mortes e de devastações nunca antes vistas.
É comum dizer-se que a construção europeia começa a seguir à segunda guerra mundial como procura de instituições e mecanismos que evitassem a repetição de guerras a uma escala tão grande.
Sendo verdade que a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) deu inicio à construção de um caminho comum dos povos que partilham o espaço europeu, é bom recordarmos que já antes havia quem na Europa pensasse numa via que permitisse que as disputas, os conflitos e as divergências pudessem ser resolvidos de forma pacífica em foros internacionais.
Não precisamos lembrar a falhada tentativa chamada Sociedade das Nações, mas é bom recordar homens como Aristide Briand, primeiro-ministro francês e prémio Nobel da Paz em 1926, que em 1929 apresentou na Liga das Nações uma proposta para a criação de uma união económica na Europa e novamente em 1930 num documento sobre o regime de organização de uma União Federal Europeia, que a Grande Depressão de 1929 não deixaria andar.
Outros nomes grandes da construção europeia não podem deixar de ser recordados como são os casos de Jean Monnet e Robert Schumann (França), Konrad Adenauer (Alemanha), Winston Churchill (Reino Unido), Joseph Bech (Luxemburgo), Alcide de Gasperi e Altieri Spinelli (Itália), Johan Willem Beyen e Sicco Mansholt (Holanda), Paul-Henri Spaak (Bélgica) e Walter Halstein (primeiro presidente da Comissão Europeia).
O objectivo de todos estes homens era garantir a não repetição das tragédias então bem vivas na memória de todos e assegurar que de futuro a Europa poderia desenvolver-se e garantir um crescimento económico e uma qualidade de vida que abrangesse todos os que viviam e trabalhavam no espaço europeu.
Nas sete décadas seguintes o projecto europeu foi sendo desenvolvido envolvendo mais países, mais população e mais competências, mas também mais burocracia, mais cargos políticos e um cada vez maior distanciamento em relação ao mundo real e às pessoas que nele habitam.
Os actuais dirigentes europeus não têm o perfil, a qualidade ou o pensamento dos fundadores, sendo profundamente influenciados pelas instituições financeiras e absolutamente insensíveis em relação à realidade que quotidianamente vivem os europeus.
Isto é visível em tudo: desde a ausência de uma verdadeira investigação e responsabilização da manipulação dos preços dos combustíveis em 2008, à desastrada resposta à crise da dívida pública com soluções que só servem os interesses das instituições financeiras e nada resolvem (sendo atroz o sofrimento sem sentido imposto às vitimas da crise para proteger e beneficiar os responsáveis) ou o total desnorte na gestão da crise de refugiados (o problema nunca devia ter sido criado, mas tendo-o sido resolve-se a montante e não a jusante ainda que os refugiados devam ser recebidos o melhor possível respeitando o espírito humanista que presidiu à criação da União Europeia e que, no fundo, é a base da nossa civilização).
Esta é uma Europa enfeudada aos poderes económicos, com uma administração rica e bem instalada na vida nada interessada naqueles a que devia servir.
Uma Europa com um crescente deficit democrático. Uma Europa que não aceita e persegue quem pensa diferente. Uma Europa que tem visão única e que não permite desvios. Uma Europa que interfere ilegitimamente nos assuntos internos dos diversos Estados. Uma Europa que não sabe onde está, para onde vai ou para onde quer ir. Uma Europa a quem só interessam os superiores interesses dos mercados e o bem estar da classe dirigente.
Uma Europa que pressiona a obtenção de determinados resultados eleitorais para serem de sua conveniência. Veja-se a impossibilidade de aceitar referendos sobre questões europeias. Se na Escócia o resultado referendo tivesse sido favorável à independência a Europa, em vez de aceitar o resultado, teria pressionado até ao limite para se repetir o referendo tantas vezes quantas as necessárias até o resultado ser diferente.
Classe dirigente essa cada vez mais fechada sobre si própria e sobre os interesses económicos que a sustentam e à corte que a rodeia.
Uma classe dirigente que só se preocupa com os cidadãos na hora de pedir votos, altura em que mente, engana, tenta justificar o injustificável, prometendo um futuro de leite e mel, para no dia a seguir a conquistar o objectivo de manter o poder voltar a esquecer que as pessoas não são números e que quem governa não o faz exclusivamente para servir os denominados mercados.
A Europa, respeitando as diversidades culturais, religiosas, sociais e históricas, pode e deve aprofundar a sua união. A uniformização fiscal e salarial, por exemplo, são duas questões vitais para garantir o futuro da Europa, a manutenção da paz e o regresso da prosperidade.
Mas também é importante a tão propalada solidariedade entre os estados (só propalada porque na prática não existe).
Eu acredito numa Europa unida, desenvolvida, segura, em paz e acolhedora, que respeite os seus cidadãos, o ambiente, os animais, o passado e o presente de cada povo, a diversidade de culturas, línguas e religiões.
Não acredito nesta Europa que não quer saber dos Europeus.
Esta é uma Europa condenada ao fracasso, à divisão e, mais cedo ou mais tarde, a um conflito de proporções épicas que poderá ser o epitáfio da civilização ocidental.
Urge mudar de políticas e de políticos.
Eu quero uma Europa que se preocupe com os Europeus.

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