Livro de Eduardo
Lourenço
O
livro em questão constitui uma compilação de artigos e ensaios
onde o pensador Eduardo Lourenço reflecte e expressa as suas
inquietações sobre diversos aspectos da Europa e do seu processo de
construção. Este livro encontra-se dividido em duas partes: uma
primeira parte com um texto datado de 1979 e vinte textos datados do
período compreendido entre 1989 e 1993 e uma segunda parte com um
texto datado de 1994 e seis textos datados dos anos de 1999 a 2000.
Eduardo
Lourenço vai-nos guiando de forma crítica e, por vezes, céptica
pelos diversos planos da evolução do pensar e sentir da Europa
abrangendo aspectos culturais, sociais, económicos, políticos,
históricos, religiosos, mitológicos e simbólicos. O autor vai
fazendo referência à importância dos valores culturais legados
pelos nossos antepassados que ao longo dos séculos foram
constituindo uma Europa que o autor considera ter sempre sido uma
Europa de Nações dividas entre si por uma miríade de valores e
culturas, vincando sempre a importância e força dos nacionalismos e
divergindo entre o posicionamento dos estados do centro do continente
(como França ou a atual Alemanha) e os periféricos (Inglaterra,
Espanha, Portugal), sempre mais virados para a expansão ultramarina
do que para a Europa.
No
texto de 1979, Eduardo Lourenço discorre sobre as profundas mudanças
que a Europa e o mundo sofreram na década que chegava ao seu fim e
onde se reforçou o poder dos Estados Unidos da América, também
pela força como se impôs a sua cultura e poder económico. Reflete,
igualmente, sobre as consequências da desilusão do mito soviético
realçando a importância da obra de Soljenitsyne “O arquipélago
de Gulag” na desilusão que este mito se revelou. A importância da
identidade cultural das nações leva-o a referenciar algo, que nas
décadas posteriores se tornará um dos aspetos fulcrais das relações
internacionais, que são os conflitos entre as culturas do Islão e
do Ocidente que sempre procurou impor a alegada superioridade da sua
matriz cultural.
Os
restantes vinte textos da primeira parte desta obra, escritos em
pleno processo de aprofundamento da construção europeia que
conduziria à assinatura do Tratado de Maastricht, apresentam-nos uma
Europa laica onde a França aparece como um dos protagonistas
centrais por força do papel que sempre ocupou no espaço europeu
onde muitas vezes serviu de modelo cultural, influenciando os seus
pensadores a cultura e o sentir das restantes nações, contribuindo
fortemente para a construção do processo em curso de uma europa
capaz de falar a uma só voz e de criar um mercado aberto e funcional
que responda de forma eficaz ao acentuado crescimento económico.
A
derrocada da utopia soviética, simbolizada na queda do Muro de
Berlim, a par da Guerra do Golfo com a hegemonização cultural e
económica do poder americano, acentuado pelo fim inglório da
intervenção soviética no Afeganistão, são prismas sobre os quais
é efectuada uma reflexão à mudança dos eixos do poder. Com a perda
de influência da Europa e o fim da ideia de universalismo da cultura
europeia cresce uma nova realidade com a amplificação dos
fundamentalismos religiosos a que um ocidente dessacralizado procura
responder com a sacralização dos direitos do homem.
É
com uma postura assaz crítica que Eduardo Lourenço vê a forma como
alguns sectores da sociedade nacional encaram a aproximação a
Espanha, com quem a história sempre nos colocou de costas voltadas e
que agora nos redescobre como mercado pequeno mas atraente, mas
também como alfobre de escritores e artistas de qualidade.
O
desencanto do autor reforça-se com o ênfase dos nacionalismos que
perante a queda de mitos levam ao ressurgimento de muitos Estados na
nova Europa do final do século XX, resultantes da fragmentação da
ex-União Soviética e da ex-Jugoslávia ou da separação das nações
que integravam a Checoslováquia, numa Europa que se procura
construir como um todo mas que teima em valorizar cada nação
individualmente e não uma verdadeira Europa-nação, face a uma
América onde o poder político é influenciado pelo poder económico
que se satisfaz com as fragilidades e crises do sistema económico
europeu.
Os
textos da segunda parte do livro são datados de um período em que a
Europa vive um novo avanço no seu processo de construção através
do surgimento da moeda única e com o nascimento oficial da União
Europeia.
Eduardo
Lourenço reforça a sua preocupação com a questão latente dos
nacionalismos e com a perda de influência europeia, citando o caso
do Kosovo para definir o que considera a “segunda morte da Europa”
ao ceder perante o modelo liberal norte-americano como exemplo único
a seguir. Sarajevo marca para Eduardo Lourenço dos momentos
decisivos na história da Europa do século XX: quando é ali que se
dá o acontecimento que inicia a I Guerra Mundial e já no final do
século é ali também que a europa perde decisivamente para os
Estados Unidos o seu papel de liderança do mundo.
A
Europa não será hoje mais do que um labirinto de forças económicas
e financeiras onde se dividem os defensores de uma Europa assente nas
suas raízes judaico-cristãs e nas tradições greco-romanas e
aqueles que entendem que a identidade da Europa não se revê apenas
na generalidade deste conceito identitário. As preocupações e
reflexões do autor são, passados 11 anos da publicação da obra,
comuns a muitos de nós que todos os dias estamos atentos ao evoluir
da crise na europa e perspetivamos os antagonismos latentes dos seus
intervenientes sobre o caminho a seguir para a sobrevivência da
união europeia.
As
reflexões de Eduardo Lourenço são importantes para uma reforma das
políticas europeias dado analisarem as dificuldades de concretização
e aprofundamento dos processos de construção europeia recorrendo
aos valores históricos, culturais, sociais, religiosos, simbólicos
e mitológicos em que assentou a caminhada dos povos que ao longo dos
séculos foram vivendo e construindo o seu espaço na geografia
europeia.
Ao
não se ter em conta as realidades passadas acaba por se cometer os
mesmos erros, tornando a prazo, insustentável a prossecução de um
projeto europeu comum.
Tudo
o que um indivíduo, uma instituição ou um Estado são num
determinado momento, deriva fundamentalmente do que foi aprendendo no
passado, das experiências e influências que foi acumulando e do
modo como é capaz de as interpretar para se desenvolver e construir
ou reconstruir visando um futuro melhor.
Nesse
sentido o europeísmo desencantado de Eduardo Lourenço é um sério
motivo de reflexão apontando pistas para o que de mal se fez no
passado e para as fragilidades do presente e do futuro que se estão
a construir.
Prosseguindo
um objetivo de bem comum e de um desenvolvimento sustentado e global,
uma reforma das políticas europeias não se pode fazer sem ter em
conta a diversidade de realidades e pensamentos, reconhecendo a nossa
herança comum mas também as especificidades.
Como
bem refere Eduardo Lourenço a Europa não está sozinha e não pode
reformar as suas políticas num sentido de as melhorar se não for
capaz de ter em conta os interesses e forças dos Estados exteriores
à Europa, sejam eles os Estados Unidos da América, o Islão ou as
potências económicas emergentes da Ásia e América do Sul.
Uma
verdadeira Europa unida não se pode construir apenas assente em
interesses económico financeiros, mas deve, segundo o exemplo de
Eduardo Lourenço, ter em conta os valores e referências culturais
para ser capaz de se reinventar e ressurgir como uma pujante potência
em todos os domínios, sob pena de se tornar um mero actor secundários
nos palcos decisórios do mundo do século XXI.
A
reflexão de pensadores como Eduardo Lourenço é crucial para ajudar
a compreender ambiguidades e divergências e a encontrar um trilho
seguro para o desenvolvimento da construção europeia, com coesão
social e económica, numa unidade que tenha em conta a diversidade
mas em que todos sejam igualmente europeus.
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