A força de ter a informação certa
O
senhor “Valentim” é um homem
entroncado, com uma força moldada por décadas de trabalho no campo. Já
septuagenário mantém um grande vigor, capaz de pedir meças a qualquer jovem. Só
os cabelos grisalhos denunciam alguém que já não é novo…
Senhor
de um feitio turbulento, habilidoso em esquemas para ganhar dinheiro à custa
dos incautos ou necessitados, não hesita no confronto, verbal ou físico, sendo célebres
os frequentes duelos de sachola com os vizinhos por motivos muitas vezes pueris
ou até incompreensíveis para o observador externo, mas na sua génese sempre resultantes
da falta de respeito e tolerância pelos outros.
Há
algum tempo, pretendendo avançar com mais um esquema e não conseguindo os seus
intentos por não cumprir com as regras, por mais básicas, deu azo ao seu
afamado mau feitio e em pouco tempo já todos estavam intimidados com ele e
empenhados em procurar passar o problema adiante.
Alertada
a hierarquia, sabedora do que a esperava por muito habituada a lidar com as
negociatas e pressões do “Valentim”,
escusou-se rapidamente a recebê-lo (em Portugal há sempre uma rotunda no
caminho ou uma reunião a indisponibilizar quem se procura).
Numa
lógica de cadeia alimentar ditaram as sortes ter de ser eu a ir ter com o
exaltado e pacificar o ambiente. Logo eu que me dou mal em discussões e
gritarias. Mas como a informação é um bem precioso, eu sabia algo que iria ser
a chave do problema.
Já
antecipadamente sabedor das causas de tamanha exaltação e do que seria preciso
fazer para regularizar a situação, desci ao piso térreo ao encontro do mal
humorado visitante.
Ao
ver-me assomar ao topo da nobre escadaria de mármore, logo me saiu ao caminho numa
postura ameaçadora e bradando em altos decibéis:
-
“É você que vem aí, é você que me vai
ouvir…”
Possuidor
do ás de trunfos que sabia ir acalmar a fúria e encaminhar o veterano
agricultor para o caminho de resolução do problema, em vez de me intimidar, sorri,
estendi-lhe a mão e, falando mais alto do que ele, disse:
-
“Caro senhor “Valentim”, antes de começar
a gritar comigo, permita-me desejar-lhe um feliz dia de aniversário…”
O
homem, surpreendido, estacou, hesitou, sorriu e com ar encabulado e tom já amistoso,
respondeu-me:
-
“Agora é que você me matou…agora já não
sou capaz de gritar consigo…”
Sabedor
que o homem fazia anos, associei que provavelmente a ninguém ocorreria dar-lhe
os parabéns… uns por não saberem, outros por não terem qualquer interesse em o
fazerem… nem a mulher, as filhas ou os netos, se davam a tal desiderato… o ser
conflituoso tem o condão de afastar todos…
Acalmada
a irritação, ouviu-me e, ainda que a contragosto, porque as regras da vida em
sociedade não davam espaço para o esquema que tinha engendrado para ganhar
dinheiro, aceitou os argumentos e fez o que tinha a fazer para regularizar a
situação em crise.
Passados
alguns anos e mantendo o “Valentim”,
o árduo feitio com que nasceu, continua a aceitar o que lhe digo e a fazer o
que tem de ser feito quando me calha lidar com ele…
Assim
se prova a importância de guardar toda a informação, por menor que seja, pois
tudo pode ser útil um dia…
Também
se prova que por vezes a melhor resposta à agressividade pode ser a atenção com
que se ouve o que os outros dizem e procurando saber quem são na verdade, ainda
que, como em tudo, esta não seja uma verdade universal e aplicável a todos os
casos e a todas as pessoas.
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