Á madrugada cheia de sombras sucedeu uma soalheira manhã
primaveril.
O mundo fervilhava de vida…
Após uma noite dormida por entre sobressaltos, acorda e
adormece, fazendo-me mais cansado do que nunca, havia muito que estava desperto…
Os pequenos seres que gradualmente iam exibindo um crescendo
de confiança cruzavam as minhas cercanias, ignorando-me por completo, cientes
de que não constituía uma ameaça…
Até quando? Conseguiria resistir à necessidade de me
alimentar? Fruta e vegetais só me permitiram sobreviver sem cair em tentação
por um período de tempo que não saberia definir…
O pequeno ribeiro, agora de águas límpidas, tinha sido um
achado de sorte…
Claro que havia sempre as habitações e os antigos espaços de
venda de alimentos, mas não tinha a certeza da natureza do que se passara e que
me levara à actual situação… seria segura uma aproximação? Mais dia menos dia lá
teria de ser…
Por ora concentrava-me em apurar os sentidos e em me manter
vivo…
Há quanto tempo não via outro ser humano?
Desde aquela já longínqua madrugada em que acordara nauseado
e procurar ir apanhar ar, vendo um céu com estranho violeta a tender para o
amarelado, que não me lembrava de ver ninguém…
Seria eu o último humano na Terra? Não podia ser… algures
alguém estaria vivo e escondido, talvez longe do meu alcance… não havia nenhuma
razão lógica para milhares de milhões de seres humanos desaparecerem numa noite
e eu ter ficado para trás…
Que fenómeno teria ocorrido? Teria eu finalmente
enlouquecido e a viver uma realidade que nada tinha de real senão para a minha
mente?
Estava longe, muito longe do local onde acordara e onde
vivera tantos anos… nunca vira um corpo, um sinal de vida humana… nada movido a
energia funcionava… claro que encontrara carros com combustível e até alguns
encostados no meio da estrada com a chave ainda no seu local… mas porquê?
Dois gatos seguiam-me havia algum tempo… animais espertos…
eu velava pela comida deles e cuidava de os manter confortáveis e quentes à
noite… mantinha longe eventuais predadores e até um carrinho de supermercado
viera ter à minha posse para transportar os dois fidalgos sem se cansarem…
Além dos seres humanos não parecia faltar nenhuma criatura
neste planeta…
A solidão sempre fora a minha fiel companheira… certamente
por falta minha raramente alguém quisera ser meu amigo… claro que sabiam quem
eu era… era útil… trabalhava e estava sempre lá… mas for a isso era apenas alguém
de quem ninguém se lembrava…
Supostamente deveria ser fácil para mim… mas não… não assim…
mesmo só sempre podia manter viva a chama da esperança de um dia ter uma família
e ser feliz… sim, ter uma família ser feliz sempre for a única coisa que eu verdadeiramente
desejara…
Sempre me questionava sobre qual o sabor da felicidade…
Agora, se não descobrisse o que se passara com a humanidade
e onde estavam os meus semelhantes o meu único sonho pereceria primeiro…
Habituara-me a fazer longas caminhadas em redor do meu canto
seguro, buscando incessantemente…
Uma das vezes chegara a uma praia, o mar banhado pelo sol,
divertia-se de encontro à areia amarela… aqui e ali umas gaivotas e uns pássaros
pequenos (seriam pardais? Nunca os aprendera a distinguir…) divertiam-se a
molhar as patas… os dois gatos adoraram a ideia de os perseguir mesmo sem
sucesso…
Carros enfileiravam num estacionamento… nada permitia saber
o que acontecera ou onde paravam os donos…
O mundo até parecia idílico sem seres humanos mas precisava
de saber o que acontecera… seria só eu? Se sim todos os meus sonhos estavam
perdidos e nem toda a beleza do planeta me valeria…
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