Mistery at Dawn V



Chegámos finalmente à cidade… nada de movimento…
Que belo grupo devemos parecer – um indivíduo com peso a mais, a desfazer-se em água, espingarda a tiracolo, mochila carregada ás costas… uma loura pequena a cair de cansaço, uma morena de cara fechada fingindo que não sente o cansaço que sente, um pónei a arrastar um carrinho carregado de compras e com dois gatos, um preto e um amarelo, quais fidalgos, em cima do carrinho a observar…
Desta vez não me deixo convencer… entro sozinho no quartel que marca o limite da cidade e percorro as ruas… apesar do medo que me invade, abro as portas dos barracões mas nada… nenhum sinal de vida… retorno rapidamente à entrada…
Conduzo-as até um dos edifícios que me parece mais seguro e, apesar dos protestos, sigo sozinho para a cidade… não me agrada deixá-las sozinhas mas sempre fui um solitário e hei-de orientar-me melhor até porque conheço muito bem a cidade…
Avanço colado à linha de árvores até onde é possível… desconfio dos prédios abandonados à esquerda mas não tenho como fugir…
Muitos prédios… muitas janelas e portas… muitas esquinas e recantos… não nasci para herói…
Opto por contornar o parque seguindo por detrás em direcção ao Museu da Cerâmica… uma das partes antigas da cidade…
Sinto-me seguido mas não vejo nada… pode ser o medo a mexer com a minha imaginação…
Ao descer para aceder às traseiras de uma igreja do século XVI ouço vozes… e entrecurtadas por gemidos de dor… mau sinal… instintivamente a mão desce até à coronha da pistola e destravo a segurança…
No empedrado da curva encolhe-se um corpo com parte da roupa clara manchada de vermelho escuro… de pé três indivíduos de caçadeiras na mão vão pontapeando aquele que se encontra caído…
Nem bem comecei a pensar e já estou a levantar a voz chamando a atenção para mim…
Os agressores não hesitam ao ouvir uma voz… erguem as armas e apontam para de onde veio o som… as velhas pedras do muro amortecem as balas… mas o meu dedo aperta instintivamente o gatilho e um dos indivíduos larga a arma e cai para trás com a garganta a deitar sangue por todo o lado…
Isto vai de mal a pior … acabei de matar um ser vivo… antes de ter tempo de entrar em ansiedade já uma segunda bala sai da pistola atingindo um segundo individuo na têmpora direita… Isto simplesmente não pode estar a acontecer…
Deixei de ver o terceiro homem… aquele que estava caído arrastou-se para a suposta protecção de um portão de ferro desconhecedor de quem era aquele estranho que surgira agora…
Cautelosamente aproximo-me… os dilemas morais virão depois… agora é sobreviver e ver o que se estava a passar…
Já vejo todo o pequeno troço de estrada mas nem sinal do terceiro homem… onde estará ele? O barulho dos tiros deve ter alertado quem quer que seja que viva nesta cidade… os meus problemas não param de aumentar…
Um movimento súbito atrás de mim e o clique de um gatilho fazem-me antever que perdi o jogo…
Um tiro faz-me cerrar os olhos… não sinto dor… gritos, mas não sou eu que grito… viro-me…
No chão o terceiro homem debate-se com uma bola de pelo com malhas… Mia… sempre achei que era uma gata anormalmente inteligente… seguiu-me e ao ver-me em perigo atirou-se à cabeça do individuo cravando garras e dentes… não tenho tempo a perder e um terceiro tiro acerta no meio do peito do terceiro homem que cessa o movimento…
Mia afasta-se procurando o refúgio por detrás do muro…
Aproximo-me do corpo encolhido junto ao portão… é um homem magro de cabelos brancos 60 / 70 anos… está muito mal tratado…
Olha-me e de voz sumida agradece e pergunta de onde apareci…
Digo-lhe que ando à procura de sobreviventes do que quer que tenha acontecido duas noites antes…
Olha-me surpreendido…
- duas noites atrás? Não foi duas noites atrás… durou quase 5 noites… vieram e o mundo parou… as pessoas começaram a caminhar involuntariamente para pontos centrais das localidades e entraram naqueles tubos enormes… alguns ficamos para trás… fomos acordando ao longo das noites…
- Como sabes isso?
- Acordei logo na primeira noite… os seres nem ligavam a quem estava acordado… fui acolhendo todos os que pude…
- Então há muitos sobreviventes? Quem eram estes três?
- Aqui na cidade sobrevivemos pouco mais de 200 … mas há mais que sobrevieram isolados e se constituíram em gangs de criminosos … eles queriam saber onde estamos abrigados… erro meu que sai em busca de mais sobreviventes e me deixei apanhar…
Deixou tombar a cabeça e expirou…
Bonito trabalho em que estou metido… 200 sobreviventes escondidos não sei onde… uma cidade com gangs… os tiros devem ter atraído atenções indesejáveis… devo regressar … tenho de ter muito cuidado para não ser seguido…
Sigo pelo interior do parque (mais uma transgressão – saltei o muro...) vou devagar… ouvindo todos os ruídos, analisando todas as sombras… do outro lado do parque salto para a rua e sigo por uma transversal… em frente ao quartel aguardo quieto uma meia hora (um pesadelo) nem um ruído nem um movimento… se alguém me seguisse teria agido… na escuridão entro no quartel e aguardo mais um pouco… Mia junta-se a mim… ronrona e dá-me cabeçadinhas…
As minhas assustadas companheiras de desventura não escondem o alívio de me ver (bem … é raro alguém ficar satisfeito de me ver…)
Tex pede comida e até o pónei parece satisfeito…

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