Chegámos
finalmente à cidade… nada de movimento…
Que
belo grupo devemos parecer – um indivíduo com peso a mais, a desfazer-se em água,
espingarda a tiracolo, mochila carregada ás costas… uma loura pequena a cair de
cansaço, uma morena de cara fechada fingindo que não sente o cansaço que sente,
um pónei a arrastar um carrinho carregado de compras e com dois gatos, um preto
e um amarelo, quais fidalgos, em cima do carrinho a observar…
Desta
vez não me deixo convencer… entro sozinho no quartel que marca o limite da
cidade e percorro as ruas… apesar do medo que me invade, abro as portas dos
barracões mas nada… nenhum sinal de vida… retorno rapidamente à entrada…
Conduzo-as
até um dos edifícios que me parece mais seguro e, apesar dos protestos, sigo
sozinho para a cidade… não me agrada deixá-las sozinhas mas sempre fui um solitário
e hei-de orientar-me melhor até porque conheço muito bem a cidade…
Avanço
colado à linha de árvores até onde é possível… desconfio dos prédios
abandonados à esquerda mas não tenho como fugir…
Muitos
prédios… muitas janelas e portas… muitas esquinas e recantos… não nasci para
herói…
Opto
por contornar o parque seguindo por detrás em direcção ao Museu da Cerâmica…
uma das partes antigas da cidade…
Sinto-me
seguido mas não vejo nada… pode ser o medo a mexer com a minha imaginação…
Ao
descer para aceder às traseiras de uma igreja do século XVI ouço vozes… e
entrecurtadas por gemidos de dor… mau sinal… instintivamente a mão desce até à
coronha da pistola e destravo a segurança…
No empedrado
da curva encolhe-se um corpo com parte da roupa clara manchada de vermelho
escuro… de pé três indivíduos de caçadeiras na mão vão pontapeando aquele que
se encontra caído…
Nem bem
comecei a pensar e já estou a levantar a voz chamando a atenção para mim…
Os
agressores não hesitam ao ouvir uma voz… erguem as armas e apontam para de onde
veio o som… as velhas pedras do muro amortecem as balas… mas o meu dedo aperta
instintivamente o gatilho e um dos indivíduos larga a arma e cai para trás com
a garganta a deitar sangue por todo o lado…
Isto
vai de mal a pior … acabei de matar um ser vivo… antes de ter tempo de entrar
em ansiedade já uma segunda bala sai da pistola atingindo um segundo individuo
na têmpora direita… Isto simplesmente não pode estar a acontecer…
Deixei
de ver o terceiro homem… aquele que estava caído arrastou-se para a suposta
protecção de um portão de ferro desconhecedor de quem era aquele estranho que surgira
agora…
Cautelosamente
aproximo-me… os dilemas morais virão depois… agora é sobreviver e ver o que se
estava a passar…
Já vejo
todo o pequeno troço de estrada mas nem sinal do terceiro homem… onde estará ele?
O barulho dos tiros deve ter alertado quem quer que seja que viva nesta cidade…
os meus problemas não param de aumentar…
Um
movimento súbito atrás de mim e o clique de um gatilho fazem-me antever que
perdi o jogo…
Um tiro
faz-me cerrar os olhos… não sinto dor… gritos, mas não sou eu que grito…
viro-me…
No chão
o terceiro homem debate-se com uma bola de pelo com malhas… Mia… sempre achei
que era uma gata anormalmente inteligente… seguiu-me e ao ver-me em perigo
atirou-se à cabeça do individuo cravando garras e dentes… não tenho tempo a
perder e um terceiro tiro acerta no meio do peito do terceiro homem que cessa o
movimento…
Mia
afasta-se procurando o refúgio por detrás do muro…
Aproximo-me
do corpo encolhido junto ao portão… é um homem magro de cabelos brancos 60 / 70
anos… está muito mal tratado…
Olha-me
e de voz sumida agradece e pergunta de onde apareci…
Digo-lhe
que ando à procura de sobreviventes do que quer que tenha acontecido duas
noites antes…
Olha-me
surpreendido…
- duas
noites atrás? Não foi duas noites atrás… durou quase 5 noites… vieram e o mundo
parou… as pessoas começaram a caminhar involuntariamente para pontos centrais
das localidades e entraram naqueles tubos enormes… alguns ficamos para trás…
fomos acordando ao longo das noites…
- Como
sabes isso?
-
Acordei logo na primeira noite… os seres nem ligavam a quem estava acordado…
fui acolhendo todos os que pude…
- Então
há muitos sobreviventes? Quem eram estes três?
- Aqui
na cidade sobrevivemos pouco mais de 200 … mas há mais que sobrevieram isolados
e se constituíram em gangs de criminosos … eles queriam saber onde estamos
abrigados… erro meu que sai em busca de mais sobreviventes e me deixei apanhar…
Deixou
tombar a cabeça e expirou…
Bonito
trabalho em que estou metido… 200 sobreviventes escondidos não sei onde… uma
cidade com gangs… os tiros devem ter atraído atenções indesejáveis… devo
regressar … tenho de ter muito cuidado para não ser seguido…
Sigo
pelo interior do parque (mais uma transgressão – saltei o muro...) vou devagar…
ouvindo todos os ruídos, analisando todas as sombras… do outro lado do parque
salto para a rua e sigo por uma transversal… em frente ao quartel aguardo
quieto uma meia hora (um pesadelo) nem um ruído nem um movimento… se alguém me
seguisse teria agido… na escuridão entro no quartel e aguardo mais um pouco…
Mia junta-se a mim… ronrona e dá-me cabeçadinhas…
As
minhas assustadas companheiras de desventura não escondem o alívio de me ver
(bem … é raro alguém ficar satisfeito de me ver…)
Tex
pede comida e até o pónei parece satisfeito…
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