Chegou
sem qualquer alerta…
Apesar
de toda a parafernália de satélites e telescópios, de todos os milhões gastos e
de tantas notícias sobre berlindes espaciais que passavam a milhões de
quilómetros da nossa arca azul, este monstro atravessou o sistema solar sem
ninguém dar por ele (o espaço é tão vasto…).
Estava
tão perto quando saiu do seu manto de invisibilidade que só houve tempo de fazer
circular a notícia de que a Terra ia ser atingida numa questão de horas… e que
ia ser mau…muito mau…
(…)
Estou
tão exausto…o medo que se apossou de toda a humanidade quando soube o que a
esperava, os terramotos, as ondas do tamanho de montanhas, os incêndios, o
mundo a desabar ao nosso redor, tudo a morrer, a falta de notícias (já não
sabíamos viver sem internet, televisão, rádio, telemóveis…) e a solidão tão
imensa que não se consegue explicar…
Não
tenho a mínima ideia de como terei sobrevivido…acasos do destino imagino eu… só
me recordo de estar a ler no parque, ver as notícias alarmantes no telemóvel,
tudo assustado ao meu redor e de repente o mundo começou a chocalhar, a
desabar, a morrer… acordei no meio de cascalho,
troncos, restos de bancos e com um cenário de guerra devastadora… o mundo como
eu vira antes de perder a consciência estava reduzido a destroços, o céu
parecia algo saído de um pesadelo numa qualquer distopia, o ar…o ar estava
quase irrespirável com tanto pó e cinzas… por todo o lado lavravam incêndios…não
se via mais ninguém…olhei para o pulso, o meu Tommy Hilfiger de aço está coberto de poeira e cinzas e nesta escuridão não é fácil (ainda para mais perdi os óculos) mas já são nove da noite...isso quer dizer que perdi seis horas do dia...
Caminhei,
vagueei , perdido, sem noção do que havia de fazer ou da real
dimensão do que acontecera, mas com a clara noção de que a humanidade estava a
viver os seus piores momentos, provavelmente os seus últimos momentos…
Subo a rua por onde tantas vezes segui por entre prédios e lojas para ir beber um galão e um pastel de nata no café da praça… a rua está pejada de todo o tipo de obstáculos...entulho, prédios desmoronados, outros em esqueleto, alguns aguentam-se mesmo muito danificados, carros esmagados, arrastados, árvores tombadas, dobradas, imenso vidro reduzido a pó, fogo um pouco por todo o lado… ouvem-se explosões - botijas de gás por certo...
Subo a rua por onde tantas vezes segui por entre prédios e lojas para ir beber um galão e um pastel de nata no café da praça… a rua está pejada de todo o tipo de obstáculos...entulho, prédios desmoronados, outros em esqueleto, alguns aguentam-se mesmo muito danificados, carros esmagados, arrastados, árvores tombadas, dobradas, imenso vidro reduzido a pó, fogo um pouco por todo o lado… ouvem-se explosões - botijas de gás por certo...
Por
todo o lado vejo corpos…ou restos de corpos… parece que fui transportado para o
Inferno de Dante…
Descobri
rapidamente que não era o único sobrevivente…estranho seria que o fosse… mas
não foi uma boa descoberta…
Pequenos
grupos de sobreviventes faziam…bom, faziam aquilo que a humanidade parece ser
especialista – indiferentes à tragédia que a todos atingia pilhavam tudo o que podiam… os restantes, aqueles que se comportavam com decência estavam
demasiado aturdidos, demasiado sós para se organizarem e reagirem…
Após uma árdua caminhada de quinhentos metros, no
que fora outrora uma rua lateral preenchida por blocos habitacionais, ouvi
gemer levemente… hesitei no que fazer, mas não, não podia deixar alguém vivo
sem pelo menos tentar fazer alguma coisa…
Afastei
entulho atrás de entulho até te encontrar…
Estranho
numa terra estranha, estranhamente já te conhecia…tinha-te encontrado diversas
vezes no centro comercial onde me atendias sempre com simpatia e um piscar de
olhos…não sabia onde moravas ou quem eras…só conhecia o teu nome e o teu rosto…cabelos
cor-de-mel e olhos cor-de-avelã que aos poucos tinham ganho lugar no labirinto
de sombras e tristeza que inundara havia muito o meu cérebro…
O
mundo é mesmo uma coisa incrível… no meio do mais negro cenário, por entre toda
a devastação, tinhas de ser tu que eu havia de encontrar e salvar (ou mais
provavelmente irias ser tua a salvar-me) …
Tiveste
sorte (se se pode chamar sorte ao que nos aconteceu) … ias a sair para o
trabalho quando o céu nos caiu em cima da cabeça (literalmente). Tal como eu
ficaste inconsciente muito tempo, quando acordaste, coberta de sangue, com
sede, dores e medo, não conseguias libertar-te… ainda me questiono que Deus me terá
feito chegar junto de ti naquele momento…estiveste mais de sete horas em aflição...
Apesar
dos cortes e de tantas equimoses não tens nada partido, nem nenhum ferimento mais profundo…abraças-me
a chorar… soluças, balbucias que nem acreditas que te salvei…não sabes explicar
porquê, mas era a minha imagem que te vinha à mente enquanto desesperavas por
ajuda… também não compreendes – só me conhecias como cliente, trocámos poucas
palavras (eu nunca fui do tipo falador), sabias o meu nome e pouco mais…
No
que até algumas horas antes era um café encontramos água, pão e alguns doces…para
já terá de servir… precisas recuperar…precisamos ganhar forças…levo tudo o que
consigo carregar (há a sorte das senhoras andarem com mochilas às costas)…
também paro nos restos de uma farmácia e arriscando entrar por uma espécie de
túnel nas ruínas consigo trazer alguns medicamentos...numa casa esventrada
arranjo um cobertor de lã azul escuro com estrelas…
Com
o céu da cor do carvão é difícil decidir o que fazer…sei que precisamos repousar e para
isso temos de encontrar um sítio seguro… ao longe ouvem-se gritos…gritos de
quem é vítima, gritos de quem é carrasco…
Fina
ironia – o mundo está a morrer e eu penso em encontrar um sítio seguro… preciso
de te proteger, de garantir que estás a salvo…
Com
dificuldade e muita cautela levo-te até onde outrora foi um dos limites da
cidade…a poucas centenas de metros havia umas termas, há muito encerradas…calculo
que no pânico da tragédia, na voragem da violência, não ocorra a ninguém ir
para aqueles lados…
Não
sei com que protecção conseguimos lá chegar sem ninguém nos importunar…buracos,
ruínas de casas, armazéns, lojas, oficinas… tantos obstáculos … nada parece
familiar ou minimamente ileso… a passagem superior do caminho de ferro desabou deixando os ferros espetados em direcção ao céu, o hospital assemelha-se a uma ruína objecto de escavações, as oficinas parece terem sido atropeladas por um pelotão de tanques, as velhas instalações da vinícola parecem os menos afectados e os depósitos de vinhos têm rachas mas parecem firmes… a pequena ponte e as margens do rio desabaram...
Conheço
bem o caminho, mas chego ao destino mais por instinto e sorte do que por outra
coisa qualquer…
O
velho palacete avermelhado com ar de hotel de luxo caído em decadência, está muito danificado, mas uma parte aguentou-se o
suficiente para nos garantir abrigo (por alguma razão os edifícios mais antigos
aguentam sempre melhor…)
Sentamo-nos
num espaço abrigado que parece ter só uma entrada (outrora a portaria?) …está
escondido nas ruínas mas consigo ver aquilo que foi a estrada que liga à cidade…
para já terá de servir até eu conseguir pensar…
Deito-te
e cobro-te com o cobertor… estás tão exausta que adormeces logo após beberes um
pouco de água e comeres um pouco de pão… sento-me ao teu lado, cansado, mas
incapaz de adormecer… estendes o teu braço e aninhas-te no meu peito…
O
mundo está a morrer e agora é que nos encontrámos…
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